sexta-feira, novembro 18, 2016

Tio Bernard - Uma antilição de economia, de Richard Brouillette ****

O grande trunfo artístico de “Tio Bernard – Uma antilição de economia” (2015) está na ligação estético-existencial que se estabelece no discurso sócio-político-econômico do seu protagonista, Bernard Maris, economista e editor do periódico humorístico Charlie Hebdo, com a formatação concebida pelo diretor Richard Brouillette. A narrativa do documentário consiste basicamente num longo depoimento do citado intelectual, dado no ano de 2000, dissecando as contradições e hipocrisias do capitalismo moderno e também expondo os mecanismos de manipulação e opressão escondidos por trás dos discursos edificantes de livre mercado e prosperidade propagados por grande parte de economistas e tecnocratas. Para acompanhar tal diatribe lúcida e desafiadora, Brouillette utiliza uma abordagem que sintetiza urgência, contenção de recursos e um teor reflexivo sobre o seu próprio mecanismo de realização, em que mesmo detalhes de bastidores refletem uma atmosfera de contestação e ironia. A edição se efetiva nas trocas de rolos de película, detalhe esse que é incorporado dentro da própria encenação como recurso dramático-cômico (é de se reparar que nesses “intervalos”, em que a tela escurece, tio Bernard continua a falar sem parar e até acentua a acidez de suas tiradas). O talento oratório, a capacidade de fundamentação arguta e o carisma de Marin são aproveitados ao máximo diante dessa linguagem cinematográfica que combina com precisão sofisticação e fúria. Tais soluções narrativas afastam a obra do campo da simples reportagem e a configuram como um contundente libelo humanista-artístico contra um ordenamento social e político marcado pela injustiça e o absurdo e ajudam a entender como uma figura como a do tio Bernard pode perturbar tanto o status quo vigente. Não por acaso, ele estava entre as vítimas do lamentável atentado terrorista sofrido pelo Charlie Hebdo em janeiro de 2015.

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