sexta-feira, maio 17, 2013

Caçadores de Atlântida, de Ruggero Deodato *


Vendo “Caçadores de Atlântida” (1983) dá para ter uma ideia do contexto histórico, artísticos e comercial da realização do filme. Provavelmente, o diretor Ruggero Deodato não tinha muita grana para a produção e precisava ter um retorno rápido do investimento. O que estava em voga nos cinemas na primeira metade da década de 80? Fácil: as histórias de um futuro pós-apocalíptico influenciadas pela franquia “Mad Max” e as aventuras envolvendo heróis machões em busca de civilizações antigas ou míticas na linha “Indiana Jones”. Com a maior cara-de-pau, é escrito um roteiro misturando todas essas referências, junta-se um elenco de canastrões e a direção tenta dar alguma unidade para esse precariedade. É claro que o resultado final é muito ruim em qualquer circunstância, mas eventualmente consegue ser divertido nos seus ápices de tosquices – tiroteios coreografados meio de qualquer forma, diálogos estúpidos, direção de arte brega. No final das contas, dá para dizer que é uma obra emblemática de uma época. A gente até sente uma certa nostalgia...

quinta-feira, maio 16, 2013

O último mundo dos canibais, de Ruggero Deodato ***1/2


Num primeiro momento, um filme como “O último mundo dos canibais” (1980) pode suscitar comparações com a obra de Werner Herzog. Afinal, o diretor alemão se notabilizou pelo seu registro particular da natureza selvagem. Tal semelhança, entretanto, vem apenas pela temática. O diretor italiano Ruggero Deodato não envereda pela abordagem reflexiva do referido cineasta germânico. O negócio de Deodato é uma ótica tipicamente exploitation, assim como seu falso documentário “Canibal holocausto” (1980). No filme, não há interesse por uma visão antropológica dos tais canibais. Para Deodato, eles são apenas selvagens e nojentos vilões, e o diretor gosta de enfatizar bastante isso, abusando de cenas de violência e com muitas vísceras à mostra. Por mais apelativa que possa aparentar tal abordagem, é inegável que ela funciona para a produção, gerando momentos memoráveis de tensão e de violência explícita gráfica. O cenário das selvas se converte num ambiente de filme de horror e Deodato é hábil na caracterização de uma atmosfera opressiva para as vítimas dos canibais. Assim, dá para dizer que “O último mundo dos canibais” é um biscoito fino para os apreciadores de uma podreira cinematográfica bem dirigida.

quarta-feira, maio 15, 2013

Roma fantástica, de Luigi Cozzi **1/2


O diretor italiano Luigi Cozzi conta uma história curiosa sobre o documentário “Roma fantástica” (2010). Na verdade, era para o filme ser dirigido por um francês para um canal de televisão, tendo como protagonista o próprio Cozzi a percorrer Roma e relacionar alguns de seus principais lugares a célebres obras do cinema de horror italiano. Ocorre que o tal francês era tão inexperiente nas lides de direção que o próprio Cozzi acabou assumindo a condução da produção. Esse acidente de percurso na realização de “Roma fantástica” é visível na sua narrativa, por vezes confusa e até truncada (lá pelo meio do filme, parece que a premissa original é meio que esquecida e se começa a fazer uma breve biografia do próprio Cozzi). Mesmo assim, o documentário se revela como uma experiência relevante por mostrar uma época de ouro (mais ou menos entre as décadas de 50 e 70) tanto para o cinema italiano quanto para os apreciadores dos gêneros de suspense e terror. Cozzi traz à tona nomes e títulos importantes, e por vezes esquecidos, fazendo um painel interessante tanto pelo lado estético quanto pela visão histórica daquele período, além de apresentar um relato esclarecedor de como era fazer um filme B na época. Relacionando com a atualidade, o documentário ganha uma dimensão ainda mais inquietante quando se observa que o horror no presente cinema italiano beira o inexistente se comparado com a época focalizada no filme. Uma pena.

terça-feira, maio 14, 2013

A casa no fundo do parque, de Ruggero Deodato ***1/2


A gente pode perdoar na boa Ruggero Deodato por algumas das bobagens que realizou ao longo de sua carreira quando se assiste a uma obra como “A casa no fundo do parque” (1980). O filme representa uma bela síntese estética do que foi o gênero suspense no cinema italiano ao longo dos 60 e 70. A produção estabelece um notável equilíbrio entre tensão psicológica e violência explícita, e sempre mantendo uma atmosfera de perturbadora sordidez. Há uma ambiguidade moral que permeia toda a trama, em que o comportamento tresloucado da dupla de psicopatas que atormenta a noite de alguns burgueses não representa exatamente uma antítese do comportamento frio e arrogante de suas vítimas. Deodato pode não ter a mesma genialidade formal de Dario Argento e Mario Bava, mas mesmo assim consegue elaborar algumas cenas antológicas, principalmente quando combina violência e erotismo, em que o teor até vulgar do roteiro recebe um tratamento estilizado pelas classudas edição e direção de fotografia do filme. O resultado final nos faz perguntar porque o cinema italiano atual não produz mais uns suspenses de tal naipe.

segunda-feira, maio 13, 2013

Os bárbaros, de Ruggero Deodato **


Discutir os méritos artísticos de “Os bárbaros” (1987) é quase uma tarefa dispensável. É evidente que o filme é uma tosqueira “inspirada” no sucesso de “Conan, O Bárbaro” (1982) – tanto que para capitalizar se tem a manha de colocar dois heróis anabolizados em cena. Até dá para perceber uma certa criatividade em termos de direção de arte, ainda que prejudicada pela precariedade da produção. Na sua primeira metade, o filme parece se levar a sério. Na metade restante, o diretor italiano Ruggero Deodato dá a impressão de que se deu conta da ruindade da coisa e viu que era negócio enveredar para a paródia completa. E assumindo esse lado trash, a produção parece funcionar de forma mais efetiva. O verdadeiro atrativo de “Os bárbaros” está no fato de ser uma obra emblemática de uma era, em que produções B chegavam aos borbotões em nossos cinemas e locadoras, época também que havia um certo misto de ingenuidade e cara-de-pau em se realizar versões picaretas de filmes, ou gêneros, consagrados e o público conseguia até se divertir com essas tranqueiras. E mesmo um diretor de prestígio como Deodato não se furtava de se meter nessas enrascadas e ainda sair fazendo piada.

sexta-feira, maio 10, 2013

A força dos sentidos, de Jean Garrett ****


Uma das coisas fascinantes na história do cinema é aquela situação em que uma determinada obra, a partir de uma série de limitações e convenções, consegue transgredir e se expandir para terrenos que vão muito além do esperado. Esse é justamente o caso desse extraordinário “A força dos sentidos” (1980). Originária da linha de montagem de filmes eróticos da Boca do Lixo, essa produção dirigida por Jean Garrett atinge um nível de consistência artística admirável. Estão lá as habituais musas da Boca do Lixo (com destaque absoluto para uma Aldine Müller no esplendor de sua sensualidade e beleza), mas as cenas de sexo das quais participam ganham uma dimensão que extrapola a excitação – Garrett lhes dá uma ambientação misteriosa e até mórbida. Na realidade, todo o filme tem essa atmosfera sombria e obscura, remetendo a um clima típico das produções de horror europeu dos anos 60 e 70, principalmente com ênfase numa certa tensão psicológica, em que a fronteira do delírio e do metafísico não é bem precisa. Colabora para essa insólita abordagem de Garret a direção de fotografia elegante de Carlos Reichenbach, além da brilhante utilização de temas de música erudita na trilha sonora (expediente que era recorrente na Boca do Lixo – afinal, assim não se precisava pagar os direitos autorais....).

quinta-feira, maio 09, 2013

O sonho de Lu, de Carlos "Hari" Sama


Na intenção de mostrar a dor de uma mãe pela perda do filho, o diretor mexicano Carlos “Hari” Sama não abre muitas concessões em “O sonho de lu” (2011). Sua encenação é exasperante nas nuances dramáticas e planos fixos, valorizando com bastante ênfase os silêncios e o olhar perdido da protagonista Lucia (Ursula Pruneda em notável interpretação). Sama, na maior parte do tempo, utiliza um registro seco e objetivo, até com um certo distanciamento emocional, querendo evitar o sentimentalismo fácil que uma temática como essa poderia propiciar. Em determinados momentos, entretanto, o filme se permite alguns toques de um lirismo cortante, que vão dos números musicais (alguns executados pela própria Lucia) até filmagens marítimas que beiram um tom épico. Esse choque entre o realismo doloroso e esses alívios poéticos é que provoca a grande tensão criativa da obra, fazendo com que ela se torne mais marcante no imaginário do espectador.

quarta-feira, maio 08, 2013

Hoje, de Tata Amaral ***


Em tempos que se fala em “ditabranda”, questiona-se a validade de indenizações para ex-exilados e famílias de desaparecidos e até o Lobão põe em dúvida se houve tortura durante a ditadura militar no Brasil, um filme como “Hoje” (2011) acaba se mostrando como atemporal. Mais que um comentário político, a obra de Tata Amaral é marcada por um subjetivismo pungente – as marcas da violência física e moral sofrida pela protagonista Vera (Denise Fraga) são expostas com contundência e sem concessões. “Hoje” parece questionar o espectador e a própria sociedade sobre a prepotência de julgar o quanto o sofrimento de uma pessoa pode valer. Para ilustrar essa temática complexa, a cineasta busca um formalismo insólito, combinando sutilmente os elementos cinematográficos usuais de ficção com toques documentais e jornalísticos (por vezes, os personagens parecem depor à câmera). Não se trata, entretanto, de “teatro filmado”. O que Amaral faz é não se limitar à linguagem naturalista. Na verdade, “Hoje” é uma narrativa de cunho fantástico, oscilando entre o delírio e o onírico. O que se retrata no filme é um turbilhão emocional, um ajuste de conta pessoal de Vera com o próprio passado. E são justamente essas escolhas artísticas insólitas e difíceis de Amaral que tornam seu filme tão inquietante e marcante.

sexta-feira, maio 03, 2013

Homem de ferro 3, de Shane Black **1/2


É claro que “Homem de ferro 3” (2013) está longe da categoria bomba cinematográfica. Por vezes as trucagens até impressionam, além do diretor Shane Black (o mesmo do ótimo “Beijos e tiros”) demonstrar em alguns momentos boa mão para cenas de ação. O fato é que essa nova incursão cinematográfica pelo universo do herói da Marvel deixa a desejar. O grande mérito dos dois filmes anteriores dirigidos por Jon Favreau era demonstrar a capacidade de extrair os melhores elementos da mitologia original do herói nos quadrinhos e traduzir isso numa obra que fosse universal, capaz de cativar fãs e neófitos. Nessa terceira parte, dá impressão que diretor, produtores e roteiristas leram rapidamente alguns gibis do Homem de ferro, o que resultou em uma produção genérica e sem personalidade. A densidade dramática de Tony Stark (Robert Donwey Jr.) é nula – o afã de mostrá-lo como um sujeito bem-humorado, sempre com tiradinhas espertinhas na ponta dos lábios, tira muito de sua grandeza como personagem. Mas o pior de tudo foi o que fizeram com o Mandarim (Ben Kingsley), simplesmente o vilão mais importante da galeria de antagonistas do Homem de ferro nas HQs: nessa versão para a tela grande, o cara é reduzido a uma figura patética e pouca ameaçadora. Até a habitual cena depois dos créditos finais, típicas das produções recentes da Marvel, é uma bobagem tão sem graça que chega a constranger. É provável que o filme vá render um monte de grana nas bilheterias e motive uma nova sequência, mas se a franquia continuar nesse marasmo criativo periga fazer com que uma série que começou tão bem enverede para o limbo da irrelevância.

quinta-feira, maio 02, 2013

O carteiro, de Reginaldo Faria 1/2 (meia estrela)


Reginaldo Faria não é iniciante na lide cinematográfica. Participou de filmes cruciais da cinematografia nacional como “O assalto ao trem pagador” (1962), “Lúcio Flávio: Passageiro da agonia” (1977) e “Pra frente Brasil” (1981). Além é claro de já ter tido algumas experiências como diretor. Assim, como explicar que tenha concebido algo tão desastroso como “O carteiro” (2010)? Trata-se de uma obra em que simplesmente nada dá certo em nada, ainda que possamos ver algumas boas ideias que só ficam nas intenções. Faria diz ter se inspirado em comédias clássicas da época de ouro do cinema italiano, tanto que situa a sua trama numa cidade de colonização italiana do Rio Grande do Sul. Essa boa influência, entretanto, não se materializa em um resultado prático aceitável. O roteiro é capenga, não sabendo obter uma síntese orgânica entre drama e comédia, sendo que a encenação que beira o amador só piora ainda mais as coisas. É de se estranhar também que Faria, ator de longa quilometragem em cinema e televisão, tenha dirigido um elenco de interpretações tão inexpressivas. Talvez aqueles menos exigentes possam elogiar a direção de fotografia a realçar as belas paisagens da serra gaúcha, mas a verdade é que esse formalismo estilo cartão postal só joga “O carteiro” naquele limite tenebroso entre a ruindade e o medíocre. No final das contas, a produção até se torna um programa imperdível no sentido de ver como um filme pode dar tão errado.