Depois de tangenciar o horror de forma frustrante em “O
exorcismo de Emily Rose” (2005), o diretor Scott Derrickson volta ao gênero de
forma bem mais convincente em “A entidade” (2012). Para começar, ele dispensa o
psicologismo barato do filme anterior e se volta ao sobrenatural escancarado. Alguns
dos clichês mais usados nas produções de terror contemporâneas estão lá, mas
Derrickson os utiliza de forma engenhosa, explorando mesmo nesses elementos
recorrentes uma abordagem por vezes insólita. Isso fica evidente,
principalmente, quando adota o estilo
documental para mostrar vídeos aparentemente amadores de assassinatos. Aos invés
de adotar simplesmente o estilo “falso
documentário amador”, o cineasta insere elementos desse estilo no meio de uma
narrativa tradicional, provocando um contraste bastante perturbador. A seqüência
inicial, por exemplo, em imagem granulada e de tons esmaecidos, do enforcamento
simultâneo de uma família inteira acaba ganhando uma dimensão assustadora ainda
maior de acordo com o desenrolar da trama. É claro que nem tudo é perfeito, com
destaques negativos para os fuleiros efeitos especiais e a tosca maquiagem. No
saldo final, entretanto, predomina a sensação de um terror que consegue
efetivamente provocar algum sentimento de tensão na platéia.
Boa parte de amigos e conhecidos costuma dizer que as minhas recomendações para filmes funcionam ao contrário: quando eu digo que o filme é bom é porque na realidade ele é uma bomba, e vice-versa. Aí a explicação para o nome do blog... A minha intenção nesse espaço é falar sobre qualquer tipo de filme: bons e ruins, novos ou antigos, blockbusters ou obscuridades. Cotações: 0 a 4 estrelas.
sexta-feira, dezembro 28, 2012
quinta-feira, dezembro 27, 2012
Os infratores, de John Hillcoat ****
A parceria entre o diretor John Hillcoat e o roteirista e
músico Nick Cave já havia gerado uma contundente releitura do gênero faroeste
na obra-prima “A proposta” (2005). Os dois novamente se reúnem em “Os
infratores” (2012), mas agora numa espécie de revitalização dos filmes de
gangsteres. Apesar das referências históricas que vez e outra aparecem na
trama, a verdade é que a estética da produção evoca mais uma vez a estrutura de
um faroeste. Há um tom crepuscular na narrativa, assim como uma estrutura
estilística que oscila entre elementos realistas e icônicos. De certa forma,
faz lembrar algo de um John Ford imerso em sangue e brutalidade. Por vezes, a
exacerbação e a encenação algo operística dessa violência remete ao cinema
visceral de Sam Peckinpah. Essas influências e referências que despontam em “Os
infratores”, entretanto, não significam que tal obra seja meramente derivativa.
Muito pelo contrário. A partir do resgate desse classicismo formal e temático,
Hillcoat constrói de forma inspirada uma narrativa vigorosa e repleta de
virtuosismo cinematográfico, buscando um precioso equilíbrio entre o sutil
suspense e o tom grandioso de cenas ação altamente impactantes. O roteiro de
Cave combina magistralmente aventura e um subtexto que é uma bem elaborada
dissecação do que representa a mitificação na cultura ocidental, na vertente do
clássico “O homem que matou o facínora” (1962), clássico do mencionado Ford.
Além disso, sua trilha sonora, composta ao lado de Warren Ellis, fornece o
clima adequado na junção de country e blues enfezados. Coroando esse belo
trabalho de Hillcoat, não há como ficar impassível perante o ótimo trabalho de
composições dramáticas de seu elenco (com destaque para Tom Hardy e Guy
Pearce), que enveredam por caracterizações que enfatizam mais uma iconografia
particular de uma época (violência, sensualidade, ambiguidade moral) do que
densidades psicológicas.
quarta-feira, dezembro 26, 2012
Moonrise Kingdom, de Wes Anderson ****
Na animação “O Fantástico Sr. Raposo” (2009), o diretor Wes
Anderson enveredava pelo gênero da aventura juvenil de tom fabular, mas sem
nunca perder o seu senso particular de cinema, pervertendo sutilmente alguns
dos cânones inerentes a esse tipo de filme. Em “Moonrise Kingdom” (2012) ele
volta a se aventurar na seara juvenil e consegue resultados ainda mais
surpreendentes. Anderson é daquele tipo raro de cineasta que parece estar
sempre fazendo a mesma coisa, mas que na realidade se mostra como um autor que
a cada obra burila e aperfeiçoa o seu estilo. Nessa produção mais recente, ele
propõe uma abordagem desconcertante com as suas soluções formais. Talvez esse
seja o filme em que ele dá mais vazão ao seu virtuosismo estético – é só
reparar na notável dinâmica narrativa imposta pelos seus sucessivos planos-sequências.
A direção de fotografia também mostra um trabalho diferenciado no que diz
respeito a enquadramentos que evocam uma deslumbrante dimensão pictórica para
algumas sequências. A utilização da música em “Moonrise Kingdom” colabora mais
ainda para esse tom de conto de fadas fora do tempo e do espaço (ainda que a
trama se situe nos anos 60) que a produção evoca com constância – temas didáticos
e canções sessentistas emblemáticas se complementam de forma inesperada e orgânica.
Coroando tudo isso há a encenação preciosista de Anderson, em que a simples disposição
dos atores e objetos em cena desempenham papel crucial na iconografia do
diretor, além da caracterização genial do seu elenco – se por um lado a ala
infantil é marcada por interpretações anti-naturalista e icônicas, por outro os
atores adultos (principalmente pelo trio Bill Murray, Bruce Willis e Frances McDormand)
enfoca o dramatismo melancólico, gerando um contraste impactante.
sexta-feira, dezembro 21, 2012
Antônio Conselheiro - O taumaturgo dos sertões, de José Walter Lima ***
Para contar a história de Canudos, o diretor José Walter
Lima preferiu não seguir um formato mais convencional. Abdicando da simples
recriação de época, o que interessou para o diretor foi realizar uma espécie de
tratado sensorial sobre aquele movimento revoltoso. Em “Antônio Conselheiro – O
taumaturgo dos sertões” (2012), a encenação da trajetória do líder messiânico e
seus seguidores possui um formalismo bruto e sem concessões, em que os recursos
modestos da produção acabam ganhando até uma sintonia artística e espiritual
com a sua própria temática. Momentos de caráter teatral enfatizam o aspecto
delirante de Conselheiro e acólitos, assim como a recriação naturalista de
outros trechos, com um viés de influência neo-realista, evoca muito da
literatura sobre o tema, de escritores como Euclides da Cunha e Vargas Llosa.
Nesse sentido, por vezes, Lima dá a impressão de estar realizando um falso
documentário tamanha a crueza de seu registro e a direção de seus atores
amadores. Essa gama de referências e estilos compõe um estranho mosaico, cuja
beleza hermética afasta o filme de um simples didatismo e faz o espectador
mergulhar no imaginário coletivo de uma época.
quarta-feira, dezembro 19, 2012
My Way - O mito além da música, de Florent Emilio Siri ***
A exemplo de “Piaf – Um hino ao amor” (2007) e “Gainsbourg –
O homem que amava as mulheres” (2010), “My Way – O mito além da música” (2012) é
mais uma cinebiografia de um ídolo musical francês. E assim como nos filmes
mencionados, a opção estética vem por uma estilização tanto na parte formal
quanto na temática. Assim, o que interessa para o diretor Florent Emilio Siri não
é uma visão de realismo minucioso ao retratar a vida do cantor e compositor francês
Claude François. A trama se centraliza num enfoque exagerado e melodramático
dos principais fatos da trajetória de François, com tal abordagem se vinculando
ao próprio caráter de romantismo exagerado e/ou alegria kitsch das suas mais
expressivas canções, sugerindo a clássica máxima que a vida e a arte se
misturam de forma indistinta. Dentro dessa concepção mitificadora, a
interpretação de Jérémie Renier no papel principal cai como uma luva, num
trabalho de composição dramática em que afetação e grotesco se insinuam com
naturalidade até perturbadora.
terça-feira, dezembro 18, 2012
Kichiku: O banquete das bestas, de Kazuyoshi Kumakiri ***1/2
Há em “Kichiku: O banquete das bestas” (1997) o choque de
duas diferentes abordagens para a mesma trama. Por um lado, o cineasta japonês
Kazuyoshi Kumakiri concebe um cinema reflexivo, beirando o exasperante na
construção psicológica de seus personagens. A narrativa é de um andamento
lento, sufocante, não havendo espaço para uma empatia emocional com o que está
havendo nas telas, e sempre realçando que algo trágico está na iminência de
ocorrer. Predomina um distanciamento emocional – o mecanismo de relação entre
os indivíduos se dá por elementos como a sexualidade opressiva, a traição, a
frieza. Diante desse panorama desolador, Kumakiri insere noções surpreendentes
de cinema gore, dignas das mais produções mais extremas no gênero horror.
Assim, o cineasta não se furta a abusar da violência, do sangue e do escatológico
em algumas das cenas mais memoráveis do filme. Toda essa brutalidade, gratuita
ou não, acaba desenvolvendo uma estranha relação de coerência e complementação com
a já aludida construção formal e temática de um drama psicológico, resultando
numa obra distante dos padrões comerciais vigentes e não muito recomendada para
aqueles de estômago fraco.
segunda-feira, dezembro 17, 2012
O som ao redor, de Kleber Mendonça Filho ***1/2
Nos curtas “A menina do algodão” (2003) e “Vinil verde”
(2004), o diretor Kleber Mendonça Filho já havia demonstrado que o elemento do
fantástico se insinuava de forma sutil e personalíssima no seu cinema. No longa
“O som ao redor”, tal concepção novamente se manifesta e de forma ainda mais
insólita. A estrutura narrativa pressupõe uma obra de cunho realista, num
registro que aparentemente evoca pequenas ações e gestos do quotidiano num
bairro classe média de Recifes. Aos poucos, entretanto, a trama vai
apresentando estranhas intervenções, que variam entre o delírio, o cômico e o
suspense. Kleber utiliza uma estética elegante e precisa na sua encenação, em
que o enfoque não está em grandes viradas climáticas no roteiro, mas sim num
crescente exasperante na caracterização de situações e personagens. Esse
formalismo um tanto bizarro do cineasta se acentua na forma com que o áudio se
insere no filme – há pouquíssima música incidental em cena, valorizando tanto
os barulhos ambientais quanto o próprio silêncio como recursos dramáticos.
Assim, as escolhas artísticas de Kleber resultam numa obra inquietante como
poucas no cinema brasileiro recente, capaz de causar um inesperado encanto para
os espectadores.
sexta-feira, dezembro 14, 2012
Busca implacável 2, de Olivier Megaton **
O primeiro “Busca implacável” (2008) havia sido uma surpresa
positiva dentro do panorama dos filmes de ação contemporâneos. O diretor Pierre
Morel obteve uma síntese bastante eficiente – boas cenas de ação, violência de
impacto considerável, razoável densidade dramática, um protagonista
carismático e roteiro enxuto e sem maiores exageros. “Busca implacável 2”
(2012) não consegue manter o mesmo nível. Olivier Megaton foge daquilo que o
filme originário tinha de melhor, fazendo de sua produção uma espécie de episódio
alongado e piorado do velho seriado “Profissão Perigo” (aquele que tinha MacGyver,
o mestre das saídas estapafúrdias). Tudo é muito genérico e sem personalidade.
Apenas Liam Neeson consegue se sobressair, mostrando que é um ator que consegue
manter a classe mesmo diante de uma obra medíocre e sem direção.
quinta-feira, dezembro 13, 2012
Hotel Transilvânia, de Gendy Tartakovsky **1/2
Há uma tendência entre as animações infanto-juvenis
contemporâneas em buscar uma temática que se aproxime de uma abordagem mais
sombria. De certa forma, isso não chega a ser propriamente uma novidade, no
sentido que mesmo algumas das mais antigas fábulas possuem um tom sinistro em
determinadas passagens. Por vezes, tal direcionamento resulta em obras de
seqüências assustadoras, que mexem com alguns dos nossos medos mais profundos,
capazes de perturbar tanto crianças quanto adultos, como em “Coraline e o mundo
secreto” (2009) e “Toy Story 3” (2010). Em outras produções, a referida
vertente se consuma num roteiro que procura tirar o caráter assustador de
elementos que na sua origem trazem uma formatação mais sinistra (vide
“Megamente” e “Meu vilão favorito”, ambos de 2010). “Hotel Transilvânia” (2012)
se vincula a essa segunda corrente mais amena, ao trazer uma trama em que
vampiros, lobisomens, zumbis, franskensteins, múmias e demais figuras afins
trazem uma caracterização “fofinha”. O formalismo do filme é competente no seu
traço e desenvoltura como animação, mas não consegue transcender muito mais do
que isso. A produção ressente também de uma maior ousadia em termos criativos
no sentido que a premissa de mostrar uma visão diferenciada desses monstros
clássicos prometia uma experiência menos óbvia em termos de previsibilidade do
roteiro.
quarta-feira, dezembro 12, 2012
Looper - Assassinos do futuro, de Rian Johnson ***
As referências de “Looper – Assassinos do futuro” (2012) não
são tão difíceis de detectar: realidade futurística distópica a lá Philip K.
Dick, tom desesperançado típico do cinema noir, trama relativamente intrincada
que evoca alguns clássicos da ficção científica como “Blade Runner – O caçador
de andróides” (1982) e “Os 12 macacos” (1995) – em relação a esse último,
talvez a presença de Bruce Willis no elenco não seja pura coincidência. É claro
que tais referências dão uma impressão de uma produção estilo “colcha-de-retalho”.
O diretor Rian Johnson, entretanto, consegue transcender o simples pastiche.
Sua encenação é orgânica e convincente, preservando uma certa verve criativa em
meio ao excesso de influências estéticas e da previsibilidade do roteiro. As
trucagens são até simples, na escola da trilogia “Matrix”, mas em determinados
momentos surpreendem pelo grau de explicitude de violência. No mais, dá para
conceder um crédito para Johnson pelo desempenho dramático do garoto Pierce
Gagnon, numa das atuações infantis mais assustadoras dos últimos tempos.
segunda-feira, dezembro 10, 2012
Fausto,de Alexander Sokurov ****
O que há em “Fausto” (2011) não é somente mais uma relação
entre cinema e literatura. O que o diretor russo Alexander Sokurov propõe é
mais ambicioso. Além de recriar o livro de Goethe, o cineasta disseca a própria
lenda que deu origem à obra literária e a transmuta para a sua visão
particular. O texto do filme, de tom poético e anti-naturalista, recebe um
tratamento formal que rompe com o linear e a narrativa convencional. Tudo soa
intrincado, enigmático e repleto de um subtexto de caráter simbólico. Assim,
ocorre uma união em perfeita sintonia artística entre a poesia de Goethe e a
insólita e particular estética de Sokurov. As angústias existenciais e
questionamentos metafísicos do personagem-título são envolvidos numa atmosfera
que parte do realismo e envereda pelos caminhos do delírio e do onírico. A
reconstituição da época medieval recebe uma direção de arte estilizada que não
se vincula necessariamente a um ideal “verossímil”, mas a um conceito que
delimita aquele período histórico: sordidez, sujeira, obscurantismo, violência.
Acentuando esse conceito de uma concepção formal difusa e estranha, a direção
de fotografia apresenta ideias e execução fenomenais, indo de planos-sequência
estonteante (a começar pelo sensacional vôo da câmera no plano de abertura) até
uma iluminação de tons pálidos e esmaecidos que caracterizam uma ambientação de
forte conotação fantástica. Coordenando esse
formalismo apurado, Sokurov apresenta uma encenação rigorosa e criativa – é notável
a forma com que se desenvolve a caracterização das situações e personagens.
Nesse último aspecto, figuras como o arredio e amedrontado Fausto (Johannes
Zeiler), a angelical Gretchen (Isolda Dychauc) e o insidioso demônio (Anton Adasinskiy,
em interpretação genialmente grotesca) ganham uma dimensão antológica pelas mãos
de Sokurov e se insinuam no nosso imaginário.
sexta-feira, dezembro 07, 2012
Intocáveis, de Eric Toledano e Olivier Nakache ***
Operando dentro de um subgênero perigoso, o dos melodramas
com “lições de vida”, a produção francesa “Intocáveis” (2012) acaba
surpreendendo por detalhes significativos. Mesmo com um roteiro previsível, os
diretores Eric Toledano e Olivier Nakache fazem a diferença ao comporem uma
dinâmica encenação (a perseguição automobilística da abertura do filme, por
exemplo, é primorosa) e também por elaborarem uma narrativa permeada de bom
humor. Além disso, a trama consegue inserir de forma bastante orgânica dentro
de seu mote principal uma das questões mais prementes da Europa moderna que é a
incorporação dos imigrantes na sociedade ocidental, fazendo com que o filme
seja um interessante reflexo do espírito de uma época. Há também em “Intocáveis”
uma certa atmosfera hedonista, tanto por algumas situações do roteiro em que os
protagonistas Philippe (François Cluzet) e Driss
(Omar Sy) se dedicam à sedução como pela vibrante trilha sonora recheada de
clássicos da black music (impossível não fazer uma conexão com a blackexploitation, principalmente pelas canções do Earth, Wind & Fire), fazendo com que a obra não caia em excessos
sentimentais.
quinta-feira, dezembro 06, 2012
Os infiéis, de Jean Dujardin e outros **1/2
Por ser uma obra episódica e com vários diretores, “Os infiéis”
(2011) acaba parecendo uma colcha de retalhos devido aos diferentes estilos e
abordagens que abrangem as histórias narradas, todas elas tendo como temática a
infidelidade conjugal masculina. Assim, momentos de comédia escrachada,
beirando a chanchada e o puramente grosseiro, convivem sem cerimônia com episódios
mais dramáticos. É claro que isso confere à produção um caráter irregular, mas
que também se sobressai por uma certa crueza e até por uma ironia perversa ao
retratar as relações humanas (para aqueles habituados ao bom-mocismo das comédias
românticas norte-americanas contemporâneas, tal visão pode até causar um certo
choque).
quarta-feira, dezembro 05, 2012
Abraham Lincoln: Caçador de vampiros, de Timur Bekmantov **1/2
Dentro dessa onda atual de misturar fatos históricos ou clássicos
literários com elementos de horror, em voga tanto no cinema quanto na
literatura, “Abraham Lincoln: Caçador de vampiros” (2012) acaba sendo emblemático
das opções criativas, limitações e contradições que norteiam tal tendência.
Seria fácil julgar essa produção dirigida pelo russo Timur Bekmantov como um
besteirol inconseqüente destinado apenas a satisfazer o público adolescente. O
filme, entretanto, apresenta certas ousadias estéticas, a começar pelo trabalho
bastante estilizado de fotografia e direção de arte. Os excessos das trucagens
por vezes emulam um vídeo game, mas em outros momentos trazem um estranho
encanto visual pelo seu tom sombrio. Permeia também a narrativa uma atmosfera
bizarra e difusa – por mais esdrúxula que seja a trama, ao mostrar o célebre
presidente norte-americano em guerra contra criaturas vampirescas, em nenhum
momento o roteiro busca a paródia voluntária. Na verdade, o filme carrega uma
carga metafórica forte, até pouco sutil, ao relacionar as vilanias dos vampiros
com as posições reacionárias e escravocratas do sul dos EUA durante a Guerra da
Secessão. Nesse contexto, assim como outras obras recentes que utilizam figuras
clássicas da cultura fantástica (zumbis, vampiros, lobisomens, bruxas), a carga
sinistra de tais personagens é reduzida – não são criaturas assustadoras, mas
sim entes a serem abatidos sem a menor cerimônia. Desagradando-se ou não com
tais escolhas temáticas e formais, é inegável que “Abraham Lincoln: Caçador de
vampiros” é o tipo de filme que dificilmente não causa alguma reação por parte
da platéia – para o bem ou para o mal...
terça-feira, dezembro 04, 2012
Dredd, de Pete Travis **1/2
É impossível escrever sobre “Dredd” (2012) sem cair naquela
velha discussão já aludida neste mesmo blog sobre adaptações cinematográficas
de obras originárias dos quadrinhos. Como em outras oportunidades, reitero a
minha opinião sobre o assunto: não é necessário que um filme resgate todos os mínimos
detalhes das histórias que serviram como base para o seu roteiro. O importante é
que se preserve a essencialidade dos personagens e das situações, para que o
filme agrade não somente aos fãs dos “comics”, mas também aos apreciadores de
cinema em geral. Dito isso, vale mencionar que um dos fatores diferenciais para
que as histórias de Juiz Dredd se tornassem tão marcantes nos quadrinhos é que
no meio de tramas situadas num futuro pós-apocalíptico e distópico e permeadas
de violência, escatologia e pessimismo havia margem para uma sutil e ácida
ironia. Pois é justamente essa falta de bom humor negro que torna “Dredd” uma
obra frustrante, fazendo com que tanto o personagem-título como o roteiro
acabem soando genéricos, igual a tantas ficções científicas futuristas que
geralmente aparecem na telas. O diretor Pete Travis até eventualmente encontra
algumas soluções visuais que fogem um pouco do lugar comum, mas nada que tire
muito o filme de sua acomodação criativa.
segunda-feira, dezembro 03, 2012
Ted, de Seth MacFarlane ***
Por mais tacanha e reacionária que possa ter parecido a
reação do deputado federal sobre o filme “Ted” (2012), ela não deixa também de
ser muito emblemática em relação ao espírito da obra. Afinal, o
personagem-título e seu amigo John (Mark Wahlberg) são imaturos, preguiçosos,
curtem drogas e adoram uma farra, e mesmo assim não são “penalizados” por isso.
Num primeiro momento, pode-se dizer que “Ted” seria uma ode ao politicamente
incorreto. Na verdade, a ausência de uma moral repressora representa uma
concepção mais ampla – dá para dizer que o filme tem uma ideologia libertária,
em que os personagens se afastam de alguns dos princípios fundamentais da
sociedade contemporânea pequeno-burguesa (sucesso profissional, dinheiro, moralismo
cristão), tendo como ideário um simples e simpático hedonismo. Em tempos de
neo-conservadorismo político e ascensão de fundamentalismos religiosos, essa
postura de “Ted” chega a ser desafiadora. Embalando essa temática até ousada, o
diretor Seth MacFarlane se vincula a uma narrativa tradicional, mas eficiente
em sua simplicidade, sem esquecer de até aplicar alguns toques quase surreais
nas seqüências envolvendo drogas (os delírios oníricos de John com seu herói
Flash Gordon representam psicodelismo para as grandes massas).
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