terça-feira, outubro 25, 2011

Meus País, de André Ristum ***



Em termos de cinema nacional recente, são raras as produções que trazem o grau de refinamento estético e temático de “Meu País” (2011). Nesse último quesito, o filme trafega em uma linha perigosa, ao abordar questões que geralmente tem a tendência a cair no sentimentalismo excessivo. No caso da produção do diretor André Ristum, entretanto, adota-se uma linha contida, em que a emoção flui com mais sutileza e naturalidade, privilegiando-se uma construção dramática detalhista para situações e personagens, mas sem apelar para explicações em demasia e ressaltando mais o poder sugestivo do roteiro. Ristum também soube se apoiar num time competente de colaboradores. A direção de fotografia apresenta nuances expressivas, indo de registros de iluminação naturalista, como se simulasse algum vídeo familiar, até o progressivo esbranquecimento total das imagens da tomada final do filme, a sugerir uma espécie de fusão entre o real e o onírico. Já a trilha sonora evoca uma insólita sensação de atemporalidade para o filme, o que está em precisa sintonia com a trama do filme, em que um passado de conflitos pessoais mal explicados sempre se insinua no presente. O elenco de “Meus País”, no geral, também se mostra nessa mesma sintonia de discrição, com destaque para as interpretações de Rodrigo Santoro, Cauã Raymond e Paulo José que trazem um enfoque que foge do ostensivo, valorizando com sabedoria os silêncios.

segunda-feira, outubro 24, 2011

Contra o Tempo, de Duncan Jones ***



O diretor Duncan Jones acabou mostrando uma certa sintonia espiritual artística com o seu pai, David Bowie. Afinal, o camaleão do rock, entre outros alter egos, incorporou o alienígena Ziggy Stardust, além de ter interpretado um ET na produção inglesa “O Homem Que Caiu na Terra” (1976). Em seu filme mais recente, “Contra o Tempo” (2011), Duncan envereda com eficiência pela ficção científica, utilizando vários conceitos típico do gênero, de viagens do tempo ao uso de tecnologias excêntricas. O cineasta, contudo, não chega aos limites de experimentos radicais nessa vertente (na linha cyberpunk ou inspirado em Phillip K. Dick), formatando a trama dentro de um padrão “love story” com final feliz. Isso tira uma parte considerável do impacto que “Contra o Tempo” poderia ter, de acordo com a sua premissa inicial, mas também não torna o filme uma perda de tempo.

sexta-feira, outubro 21, 2011

Sem Saída, de John Singleton **1/2



Quando surgiu com “Os Donos da Rua” (1991), John Singleton foi visto até como um cineasta com um certo toque autoral, pertencendo a um movimento de diretores afro-americanos, encabeçado por Spike Lee, destinado a expor uma temática relacionada às dificuldades do povo black nos Estados Unidos, além de um possível estilo “negro” de filmar (de certa forma, uma espécie de continuação da forte herança blackexploitation dos anos 70). Se no decorrer dos anos, Spike Lee se consolidou como uma das principais forças criativas do cinema norte-americano, por outro lado Singleton se afastou daquela idéia inicial e se tornou um competente artesão no gênero ação a trabalhar para os grandes estúdios. “Sem Saída” (2011), sua obra mais recente, é um exemplar emblemático da sua atual condição. O filme está longe de ser um clássico no gênero em questão, mas tem os seus momentos – a encenação da porradaria e das perseguições é bem convincente (distante das medíocres invencionices da escola Zack Snyder de filmar) e Singleton consegue extrair tensão a partir de um roteiro repleto de clichês. No final das contas, mesmo dentro desse formato sem ousadia, o diretor merece crédito por conseguir fazer tudo isso tendo um verdadeiro peso morto inexpressivo no papel principal

quarta-feira, outubro 19, 2011

A Hora do Espanto, de Craig Gillespie **1/2



O karma de toda refilmagem é que por melhor que seja sempre acabará sofrendo a comparação com o original. Com esta nova versão de “A Hora do Espanto” (2011) não é diferente. Até porque dentro da média dos filmes de horror contemporâneos de grande orçamento ele acaba ganhando um certo destaque – tem alguns atores de carisma, boa caracterização visual e efeitos especiais interessantes. O problema é que a produção de 1985 dirigida por Tom Holland é bem mais cativante. Na relação estrita que se pode fazer entre as duas obras, a conclusão a que se chega é que a mais antiga acaba até parecendo um filme europeu perante a mais recente – personagens melhores desenvolvidos, roteiro que sabe valorizar o suspense, equação entre horror e comicidade melhor resolvida. Nesta mais recente concebida pelo cineasta Craig Gillespie, as noções de sutileza e tensão são jogadas no espaço em troca de uma narrativa que parte logo para a porradaria. É claro que tem os seus momentos divertidos, mas a sensação de produto descartável permeia a mente do espectador ao final do filme.

terça-feira, outubro 18, 2011

Professora Sem Classe, de Jake Kasdan **1/2



É inegável que a comédia “Professora Sem Classe” (2011) tem a capacidade de surpreender em alguns momentos no seu misto de vulgaridade, escatologia, politicamente incorreto e ironia aos costumes da classe média norte-americana, principalmente pela visão franca do roteiro ao expor sem maiores concessões questões complexas como preconceito, bullying e arrivismo social. O diretor Jake Kasdan consegue construir uma interessante atmosfera de sordidez e sarcasmo que permeia boa parte da produção. Cameron Diaz também surpreende na sua caracterização abertamente vulgar, beirando a escrotidão, da protagonista Elisabeth Halsey. A produção patina, entretanto, quando aos poucos vai se convertendo numa espécie parábola moral, o que parece não casar muito com a própria ambientação elaborada por Kasdan. Na realidade, o confronto entre o tom crítico de comédia negra e a necessidade do final feliz edificante acaba trazendo um beco sem saída criativo para “Professora Sem Classe”.

segunda-feira, outubro 17, 2011

Todo Mundo Tem Problemas Sexuais, de Domingos de Oliveira ***



Em seus últimos filmes, o diretor Domingos de Oliveira tem adotado uma maneira bastante livre de formar, onde o cuidado formal nem sempre é o mais esmerado e o foco principal se concentra na temática em si. Se em algumas obras tal abordagem resulta em estilo inquietante e criativo, em outras as soluções encontradas resvalam na indulgência. “Todo Mundo Tem Problemas Sexuais” (2008) é uma precisa síntese do estado atual da arte de Oliveira. Nascido originalmente como uma peça teatral, o filme não esconde sua gênese. Pelo contrário: o autor mistura na narrativa, sem cerimônias, diferentes formas de encenação para cada um dos episódios que compõem a produção – dramatização cinematográfica, encenação teatral e até mesmo ensaio entre os atores. A utilização de recursos típicos da dramaturgia, de fortes tons anti-naturalistas, não impede que o filme apresente concepções ousadas de cinema, principalmente pela dinâmica de sua montagem e por enquadramentos insólitos. A multiplicidade de estéticas se expande também para a natureza da visão de Oliveira sobre o conteúdo principal de “Todo Mundo Tem Problemas Sexuais”: o sexo. Assim, o roteiro varia de forma vertiginosa entre imprecações intelectuais eruditas, filosofia de botequim, pastelão escrachado e dramaticidade rasgada. Para acompanhar esta muito pessoal trip, é fundamental a contribuição dos seus atores, com destaque para as composições cheias de nuances de Priscila Rozembaum e Pedro Cardoso.

sexta-feira, outubro 14, 2011

Medianeras, de Gustavo Taretto **1/2



Na ânsia de fazer um retrato sobre as relações humanas nos tempos modernos, “Medianeras” (2011) acaba tropeçando nas pernas pelo excesso de referências e auto-explicações. As narrações over dos personagens são explicativas demais, acabando por esvaziar as possíveis metáforas que poderiam ser feitas a partir da relação entre a rotinas solitárias dos mesmos personagens e as aparentes facilidades tecnológicas que os cercam. O diretor Gustavo Taretto acaba também caindo na armadilha de rechear a trama com citações visuais, canções e diálogos “espertos” que vinculam o filme a um particular universo pop contemporâneo – pode ser que tais recursos tragam uma possível identificação com uma parcela contemporânea da platéia que goste de tais referências, mas também dá ao filme uma atmosfera datada e pouco orgânica. Por vezes, tais escolhas estéticas surtem algum efeito, principalmente aos criarem uma ambiência opressiva que sugere um clima de pesadelo que oscila entre o irônico e o angustiante. Em outras oportunidades, entretanto, o jogo entre o cômico e o dramático fica mal costurado, tornando a narrativa de “Medianeras” um tanto amorfa. No final das contas, pode-se sair da sala de cinema com a impressão de ter visto uma versão portenha de “O Fabuloso Mundo de Amelie Poulain” (2001).

quinta-feira, outubro 13, 2011

Elvis & Madonna, de Marcelo Laffitte **

Por mais inusitado que seja o seu tema (o romance de uma lésbica com um travesti), “Elvis & Madonna” (2010) acaba padecendo de anemia criativa. Fotografia e edição são tão poucos imaginativos que fazem o filme mais parecer um grande episódio televisivo, além do roteiro recorrer constantemente a clichês cômicos que tornam a obra um tanto rasteira, diante das possibilidades que a sua história poderia trazer. O que poderia ter rendido uma viagem profunda sobre os preconceitos e convenções envolvendo a sexualidade humana acaba se convertendo em uma espécie de parábola moral edificante. A grande sustentação dramática da produção fica nas interpretações de Simone Spoladore e Igon Cotrim nos respectivos papéis de seus protagonistas, em atuações que conseguem alternar de forma convincente sutileza e arroubos emocionais.

terça-feira, outubro 11, 2011

Subterrâneos, de José Eduardo Belmonte **1/2



O cinema do diretor José Eduardo Belmonte sempre foi conturbado. Sua concepção formal sugere uma espécie de colapso no olhar, de narrativa fragmentada e enquadramentos que oscilam entre o tradicional e o documental. Tal estilo de filmar se mostra em sintonia com a própria natureza das tramas de Belmonte: a sociedade em colapso ético, personagens confusos e sem rumo que só encontram alguma possível saída no desafio confuso perante a ordem moral e legal. “Subterrâneos” (2004), primeira obra dirigida por Belmonte, evidencia boa parte dessas características particulares do cineasta, mas só que de forma bastante rascunhada. Assim, os excessos imperam: câmera de movimentos atribulados constantes, profusão de diálogos existencialistas, montagem que simula um vídeo amador, personagens cheio de conflitos (mas cujas origens temos apenas uma vaga idéia). Se por vezes fascina, essa demasia de ideias e referências também torna “Suberrâneos” irritante em outros momentos. De qualquer, a cinematografia de Belmonte prima pelo sensorial – é provável que encher o saco da platéia também faça parte de suas intenções.

segunda-feira, outubro 10, 2011

Missão Madrinha de Casamento, de Paul Feig ***



É tradição na comédia norte-americana a capacidade de refletir de forma crítica o espírito de uma época por trás de tramas aparentemente superficiais ou de momentos de pura escatologia e mau gosto. “Missão Madrinha de Casamento” (2011) honra com discrição esta sina. A protagonista Annie (Kristen Wiig) capta com razoável fidelidade alguns dos dilemas típicos de parte das mulheres do novo milênio: tem relações vazias emocionalmente com os homens (apesar de desejar ao contrário), fracassou profissionalmente, pouca grana no bolso. A caracterização do personagem chega a ser perturbadora pela crueza com que a sua rotina é exposta. É mérito do diretor Paul Feig conseguir moldar este aspecto deprimente da trama em um formato cômico tradicional repleto de sequências que beiram o pastelão, além de um inevitável final feliz. É claro que o lado mais questionador do filme acaba suavizado por tais convenções, mas é inegável que este fator de acessibilidade acaba tornando a proposta do roteiro mais universal. Além disso, o tom irônico em relação a determinados valores da sociedade ainda está lá, mesmo que um pouco diluído, de modo a deixar a platéia com uma sensação inquietante ao termino da produção.

quinta-feira, outubro 06, 2011

Um Conto Chinês, de Sebastián Borenztein **1/2



Parece que virou rotina que pelo menos uma vez ao ano apareça uma produção argentina que se torne uma espécie de fenômeno cult de público e crítica. Na grande maioria das oportunidades, entretanto, trata-se de alguma obra mediana de concepção formal apenas correta e temática com elementos novelescos (e nisso pode-se incluir até mesmo o oscarizado “O Segredo dos Seus Olhos”). Ah, e quase invariavelmente tais filmes trazem como protagonista o Ricardo Darin. Bem, tudo isso para dizer que “Um Conto Chinês” (2011), o argentino da vez, não foge à regra. A presença de chineses na trama até dar um certo ar exótico, mas na essência se trata de mais do mesmo. O roteiro é um primor de formulismo: Roberto, sujeito turrão e solitário (mas no fundo boa gente), acaba acolhendo um chinês em sua casa e é obrigado a rever os seus conceitos de vida, dando até uma chance para uma solteirona que o ama. O diretor Sebastián Borenztein conduz a sua narrativa sem maiores esboços de ousadia, com a possível exceção da sequência de abertura, que traz um certo toque de realismo fantástico. No final das contas, o que dá peso para “Um Conto Chinês” são alguns momentos efetivamente engraçados e a interpretação consistente de Darin, que oferece dignidade e carisma ao seu personagem. E querer ver mais que isso no filme é forçar a barra.

terça-feira, outubro 04, 2011

O Grande Êxtase do Entalhador Steiner, de Werner Herzog ****



Na superfície, “O Grande Êxtase do Entalhador Steiner” (1973) é um documentário a retratar o ápice de superação de Walter Steiner, campeão mundial de salto de esqui, que atinge sucessivamente impressionantes recordes mundiais. Na essência, entretanto, é obra que mostra a construção de mito, retratando o momento exato em que o homem se converte em lenda vida. Quando está fora da plataforma de salto e sem os esquis, Steiner é uma criatura tímida e desajeitada, de ar quase introspectivo. Quando entra em ação, ganha uma postura que beira a divindade, praticamente um semideus a desafiar os limites da velocidade e da gravidade. A forma com que Herzog registra os saltos de Steiner também colabora para a construção de tal dimensão épica: enquadramentos inusitados e uma câmera lenta que capta todas as nuances da performance do esquiador dão a impressão de que estamos vendo algum ser alado tirado de algum conto fantástico invadindo a nossa realidade. Mas se Herzog expõe um olhar admirado pelas proezas de seu protagonista, ele também reserva a lembrança de que o limite entre a glória mitológica e a dura realidade do fracasso é muito tênue – há sequências que trazem casos de saltos que resultaram em tragédias, como se o diretor lembrasse da própria fragilidade física humana diante de uma tentativa frustrada. Essa contraposição entre o sucesso e o fracasso estimula o questionamento sobre os motivos reais de um homem como Steiner a tentar ultrapassar cada vez mais as suas próprias marcas. A falta de uma resposta plausível acentua a aura de mistério que permeia “O Grande Êxtase do Entalhador Steiner”.

segunda-feira, outubro 03, 2011

Gasherbrum, de Werner Herzog ***1/2



A temática do documentário “Gasherbrum” (1984) pode lembrar algum episódio do Globo Repórter ou de um canal esportivo qualquer: dois alpinistas enfrentam dois grandes picos em apenas uma escalada. Se nos programas televisivos tal evento seria tratado como um exemplo de superação pessoal ou outra lição de vida edificante, nas mãos de Werner Herzog o mesmo acaba ganhando uma conotação bem diversa. Na visão pouco emocional do diretor alemão, o feito dos protagonistas é o retrato de uma obsessão e de desejos profundos que os envolvidos mal conseguem explicar. Não se trata de heroísmo, mas simplesmente de um beco sem saída existencial, em que a única alternativa restante na vida deles é escalar nas condições mais adversas possíveis. O método formal meticuloso e de distanciamento emocional de Herzog ao filmar encontra sintonia espiritual com a própria ambientação inóspita onde a produção se desenrola, e rende, pelo menos, uma seqüência antológica – aquela em que o diretor entrevista um dos aventureiros em questão sobre um episódio anterior em que o seu irmão, também alpinista, faleceu em uma escalada. O depoente mantém um tom sereno durante toda a narrativa que faz da sua tragédia pessoal, mas desaba em soluços quando indagado sobre como comunicou à sua mãe sobre o falecimento do outro filho. É avassalador o efeito do intimismo de tal manifestação em meio à crueza da abordagem até então praticada por Herzog. É como se não houvesse lugar para tais lágrimas naquele ambiente gélido.