sexta-feira, fevereiro 20, 2009

Quando Você Descer do Céu, de Éric Guirado ***


Essa produção francesa de 2003 é surpreendente. O diretor Eric Guirado combina com habilidade drama social com toques intimistas e cômicos, sem cair para o enfadonho. Inicialmente, fatos banais do quotidiano de um jovem interiorano recém chegado na cidade grande vão se sucedendo quase que aleatoriamente, mas aos poucos a narrativa ganha densidade dramática, envolvendo cada vez mais o espectador na jornada de perda da inocência do protagonista perante uma sociedade corrompida. O filme evita as soluções maniqueístas ou simplórias, mas também não tende para niilismos. Mesmo diante da aparente impotência do personagem principal em mudar o que está errado, o final chega a ser quase redentor e esperançoso. Guirado acerta também no registro da fotografia para essa pequena saga acre-doce, com um estilo de filmar que oscila entre o quase documental e o tom de fábula.

Leonera, de Pablo Trapero ***



“Leonera” (2008) aborda em sua trama algumas questões que por várias vezes já foram vistas nas telas: quotidiano na prisão, julgamentos injustos, maternidade colocada à prova em situação extrema. Mesmo não trazendo novidades, é uma produção que impressiona pela contundência e objetividade com que o diretor argentino Pablo Trapero se utiliza para filmar. Não há uma preocupação de criar empatia da protagonista com o público, sendo que as situações mostradas ao longo da trama são tão realistas que por vezes se tem a impressão de se estar assistindo a um documentário. O naturalismo das seqüências de nudez, a sexualidade crua dos personagens e a maneira sem concessões de retratar as relações humanas formam um conjunto perturbador que tem um impacto ainda maior associado à fotografia nada estilizada do filme.

Mesmo não tendo um resultado final tão satisfatório quanto “A Família Rodante” (2004) e “Nascido e Criado” (2006), obras anteriores de Trapero, “Leonera” é um filme que confirma o nome desse cineasta como um dos mais interessantes no atual cinema argentino.

quarta-feira, fevereiro 18, 2009

Juízo, de Maria Augusta Ramos ***

Antes de mais nada, cabe ressaltar uma coisa: por mais que “Juízo” (2007) tenha por base fatos exclusivamente baseados em fatos reais, tal obra não se trata de um documentário, ao contrário de “Justiça” (2004), obra anterior da diretora Maria Augusta Ramos. Nessa produção mais recente, a cineasta optou por um recurso criativo que lembra bastante “Jogo de Cena” (2008) de Eduardo Coutinho. Em “Juízo”, há recriações dramáticas de alguns casos que tramitaram em uma Vara da Infância e da Juventude do Rio de Janeiro, além do retratar o quotidiano dos menores infratores em um centro de reeducação. Como por lei é proibido filmar menores infratores, os mesmos são “interpretados” por outros jovens igualmente carentes, mas que não tem problemas de justiça. Por outro lado, juízes, promotores e defensores públicos “interpretam” a si mesmos. É claro que o conteúdo do filme é impactante, pois apesar do mesmo não ser um documentário, o estilo de filmar da diretora é bastante seco e direto. A rotina e a trajetória desses jovens constituem um todo massacrante e com uma carga angustiante considerável. Mas confesso que o que mais me impressionou em “Juízo” foi a opção estética de Maria Augusta Ramos, em que por mais que se saiba que estamos vendo situações baseadas em fatos reais, ao mesmo tempo ficamos com a dúvida do quanto aquilo é distorcido pela própria interpretação da realidade. É nessa situação dúbia que se encontra a força motriz da narrativa do filme.

Linha de Montagem, de Renato Tapajós


Esse documentário sobre as greves ocorridas no ABC Paulista no final da década de 70 e início da de 80, lançado originalmente em 1982, pode ser fortemente didático e até mesmo panfletário em algumas seqüências. Por outro lado, entretanto, é uma obra que impressiona pela sua dinâmica narrativa. Acompanha-se a luta e os infortúnios dos grevistas como se assistisse a um tenso filme policial cheio de reviravoltas. Contribuem muito para isso a fotografia direta e sem enfeites e a montagem precisa do filme. Mesmo quem não é muito fã do Lula ou não simpatiza com o ideário esquerdista pode acabar seduzido por esse bem conduzido “Linha de Montagem”.

Foi Apenas Um Sonho, de Sam Mendes ***


Esse é um daqueles velhos casos que já comentei aos montes nesse blog: é um filme baseado em livro que não li, mas que se percebe que a obra literária em questão deve realmente ser muito boa, mas o resultado fílmico não é tanto... Digo isso porque ao se analisar a trama de “Foi Apenas Um Sonho” se pode perceber que as idéias que estão ali dentro estão certas e bem delineadas. O problema do filme é o tratamento cinematográfico convencional e demasiadamente preso a fórmulas (a mania de se aproximar a câmera dos personagens a cada momento que eles dizem algo de relevante chega a ser irritante...). O cineasta Sam Mendes estruturou a produção num formato de tragédia grega. E isso fica evidente, por exemplo, no personagem Jon (Michael Shannon), que faz a função daqueles coros que nas tragédias comentavam e até mesmo faziam o juízo do que estava sendo mostrado em cena. O problema é que o que era para ser uma possibilidade para maiores vôos criativos acaba se tornando uma verdadeira camisa-de-força, tornando a narrativa um modelo didaticamente aborrecido das mazelas de uma mulher sufocada pelo moralismo e mediocridade da sociedade norte-americana nos anos 50. Mendes enfoca todos os dramas dos personagens nos diálogos, não dando espaço para o subtexto que as imagens poderiam oferecer, carregando também de forma exagerada no dramatismo.

É claro, entretanto, que “Foi Apenas Um Sonho” está muito distante de não ser considerado um bom filme. Fotografia e direção de arte contribuem para fazer uma bela reconstituição visual dos anos 50, lembrando muito, nesse sentido, o sensacional “Longe do Paraíso” (2002), de Todd Haynes. Além disso, as atuações de Leonardo Di Caprio, Kate Winslet e Michael Shannon impressionam em determinadas seqüências pelas suas detalhistas nuances dramáticas. O maior problema do filme, na verdade, é que se fica com a constante impressão de que o mesmo poderia ser bem melhor. Até porque Sam Mendes vinha de uma obra absolutamente brilhante, o contundente “Soldado Anônimo” (2005).

A Alegria de Emma, de Sven Taddicken **


Os primeiros minutos de “A Alegria de Emma”, com iluminação natural e imagem quase granulada, pode fazer pensar em algo no estilo contundente do Dogma 95. O diretor Sven Taddicken , entretanto, está muito longe do talento e do rigor estético de um Lars Von Trier, por exemplo. Apesar da aparente pretensão de contar uma história por um viés mais cru e humano, o filme resvala várias vezes para o sentimentalismo fácil, além de não apresentar maiores vôos formais. Além disso, a combinação de momentos cômicos com situações mais sérias, ou até mesmo trágicas, é completamente destoante, tirando muito do impacto que algumas seqüências poderiam ter.

quarta-feira, fevereiro 11, 2009

Quando Você Viu Seu Pai Pela Última Vez?, de Anand Tucker **1/2


Essa produção inglesa de 2007 é baseada em livro de memórias do escritor Blake Morrison, focado principalmente no seu complicado relacionamento com o pai. Não li tal obra, mas se pode perceber pelo roteiro do filme que a tônica seria uma visão mais sóbria sobre questões familiares mal-resolvidas. Isso faz com que em alguns momentos “Quando Você Viu Seu Pai Pela Última Vez?” tenha um impacto considerável sobre o espectador, principalmente por essa visão mais crua ao retratar temas como morte, doença, incomunicabilidade entre pais e filhos. O problema, entretanto, é que o diretor Anand Tucker parece mais preocupado em formatar o filme em uma obra mais digerível, o que faz com que em várias seqüências o filme caia para um tom melodramático excessivo, principalmente pelo uso exacerbado e inconveniente de uma trilha sonora por vezes piegas, o que dá para “Quando Você Viu Seu Pai Pela Última Vez?” ares daqueles surrados telefilmes que de vez em quando passam no Supercine.

O Mistério do Samba, de Lula Buarque de Hollanda e Carol Jabor ***1/2


Esse documentário sobre a Velha Guarda da Portela tem um mérito inquestionável: mesmo tendo como enfoque principal a música dos velhos sambistas, o roteiro e os depoimentos do filme não funcionam apenas como meros pretextos para os números musicais. Muito pelo contrário! Os testemunhos de músicos brilhantes como Casquinha, Jair do Cavaquinho, Argemiro do Patrocínio, Monarco, Casemiro dão o complemento perfeito para as canções que são apresentadas em “O Mistério do Samba”, mostrando de forma brilhante como a própria vida dessas pessoas está ligada intrinsecamente à sua arte. Os diretores Lula Buarque de Hollanda e Carol Jabor também conseguem fugir da traiçoeira armadilha de fazer apenas uma obra de exaltação aos músicos aqui focados, sendo que em várias seqüências do documentário impressionam pela crueza e ironia amarga da visão de vida de alguns desses artistas, o que fica ainda mais acentuado no visual simples e sem afetações da fotografia. Essa “cama” preparada pelos cineastas faz com que a música sempre irrompa em “O Mistério do Samba” com uma força bruta extraordinária.

Um Faz de Contra Que Acontece, de Adam Shankman *1/2


Adam Sandler é um comediante de recursos, sendo que aproveitado por um diretor de talento pode render momentos interessantes. Nesse caso, é só lembrarmos do sensacional “Embriagados de Amor” (2002), comédia dramática de Paul Thomas Anderson. O problema, entretanto, é que Sandler parece mais conformado em participar de insossas comédias família, daquelas em que a cada 5 minutos se tem uma lição de vida ou algum outro momento edificante. Esse é exatamente o caso de “Um Faz de Conta Que Acontece” (2008). Pode-se sentir até em algumas seqüências que há algo ali potencialmente engraçado, mas que acaba sendo sufocado por toneladas de açúcar.

Austrália, de Baz Luhrman **1/2


O problema de Baz Luhrman em “Austrália” (2008) não é o fato de ele ter realizado uma obra épica e acadêmica. Afinal, depois de filmes tão “camp” como “Romeu + Julieta” (1996) e “Moulin Rouge” (2001), provavelmente Luhrman quis dirigir uma produção mais “séria” e tradicional, ao invés das usuais narrativas alegóricas e coloridas beirando o cafona e a paródia que fizeram a sua fama, para mostrar que ele pode ser um cineasta “respeitável”. O que realmente emperra esse seu filme mais recente é que o mesmo é um épico acadêmico excessivamente desajeitado, com uma narrativa artificial e presa às convenções do gênero que raramente consegue oferecer para a sua trama um desenvolvimento mais natural e homogêneo, o que faz com que qualquer impacto dramático que o roteiro pudesse trazer tenha resultados nulos. Para piorar, raramente Nicole Kidman e Hugh Jackman tiveram momentos de canastrice dramática tão constrangedores quanto em “Austrália”. Mas seria injusto dizer que o filme é um desastre total. É inegável que a fotografia de grandes paisagens e a reconstituição de época fortemente estilizada em algumas seqüências trazem alguns momentos atraentes para obra, e mesmo os referidos excessos desajeitados, ainda que involuntariamente, são risíveis pelo ridículo, o que torna “Austrália” até um filme aprazível ocasionalmente.

segunda-feira, fevereiro 02, 2009

Café dos Maestros, de Miguel Kogan **1/2


Esse é um documentário bem filmado, as tomadas das apresentações dos músicos tocando e cantando tangos são bonitas, mas a verdade é que o filme não tem uma dinâmica envolvente. Os depoimentos dos músicos são tão artificiais que fazem o filme parecer um documento institucional do tango, tendo em vista a assepsia excessiva que paira durante boa parte da metragem do documentário. Chega a um ponto que já não se consegue distinguir quem está falando tal a uniformidade e a burocracia com que o material é jogado na tela. No final das contas, parece um monte de velhinhos simpáticos fazendo declarações de amor ao tango. Faltou individualizar melhor cada um dos músicos, para se perceber com maior nitidez as nuances de cada um. O concerto final, num tradicional teatro argentino, recebe uma edição apressada demais, não dando tempo ao espectador de sentir devidamente o objetivo do espetáculo, ou seja, a música em si. A impressão final que se tem de “Café dos Maestros” é a de que se assistiu a uma espécie de “Buena Vista Social Club” do tango, só que bem menos inspirado.